Biodiversidade e saúde
Carlos Nabinger no excelente artigo Plantas locais e biodiversidade considera que “mais de 90% das calorias que a humanidade consome provém de apenas 30 plantas. Essa concentração … em poucas espécies torna a indústria de alimentos e as populações humanas mais suscetíveis aos estresses associados com mudanças globais”. Ainda considera que sua produção onera a sociedade, visto que sua maior produtividade gera elevados custos ambientais.
Concordamos integralmente com o autor e acrescentamos que esta restrição na biodiversidade e consumo alimentar provoca maior prevalência (número de casos totais) e incidência (novos casos) de doenças crônicas na humanidade contemporaneamente, o que se constata facilmente dada a explosão de doenças crônicas não transmissíveis (não infecciosas) em nosso país e no mundo, como obesidade, sobrepeso, metabólicas (hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e dislipidemias), câncer, autoimunes, mentais(incluindo ansiedade, depressão e demências). Mais ainda, o transporte de alimentos globalmente o encarece e prejudica os pequenos produtores de alimentos.
Adiante no mesmo artigo propõe que “o uso comercial de novas culturas e plantas selvagens teria potencial, por meio da diversificação e da adaptação local, de tornar a produção de alimentos mais sustentável e resiliente. Isso sem falar em outros usos possíveis como medicinais, ornamentais ou para forrageamento de animais (abelhas e herbívoros). É o caso das mais de 600 plantas forrageiras nativas do Bioma Pampa para uso na formação de pastos cultivados e regeneração dos pastos nativos degradados. É também o caso de muitas produtoras de raízes e tubérculos e das centenas de frutos de que dispomos localmente como araticum, araçás, banana-do-mato, butiá, feijoa, goiaba serrana, guabiroba, juçara, pinhão e pitanga, apenas para citar algumas das mais de 200 espécies que possuem frutos ou sementes alimentícias”.
Estes alimentos tradicionais são esquecidos nas reiteradas orientações alimentares oficiais (de governos e entidades de saúde), e recentemente temos acompanhado um movimento de redescoberta e preservação dos alimentos tradicionais locais, as quais tem sido denominadas PANC’s (plantas alimentícias não convencionais). Tem a vantagem de estarem adaptadas ao clima e geografia local e, portanto apresentarem resistência ao estressores climáticos, bem como adaptados aos genomas das populações nativas. Já há pesquisas demonstrando seus benefícios para a saúde humana e ambiental (veja os trabalhos da Fundação Weston Price e muitas outras).
No final do artigo Nabinger encerra magistralmente com “temos plenas condições de usar mais produtos locais provendo dietas diversificadas e saudáveis, mantendo a biodiversidade e diminuindo a pegada ecológica (sobretudo do transporte) das grandes monoculturas. Mas temos que reaprender a valorizar esses produtos e, mais importante, estimular sua produção, pois essa maravilhosa diversidade está associada à não menos rica diversidade cultural daqueles que conhecem, convivem e entendem a importância ecossistêmica desses produtos e de suas muitas funcionalidades que vão além de simplesmente prover alimento. Para isso necessitamos quebrar paradigmas repensar os modelos de produção agrícola e sua distribuição territorial”.
Poderia encerrar com o fechamento acima, mas reforço que comer alimentos locais e orgânicos faz parte da história natural humana. O divergente é basear a alimentação em uma dezena de alimentos produzidos a longas distâncias em solos monocultivados (que tendem a ser pobres em micronutrientes essenciais à saúde) desprezando os produtos e a cultura local.
A comida sempre fez parte das tradições culturais da humanidade. Atualmente as pessoas desaprenderam a comer e, cada vez mais, dependem de orientações criadas em gabinetes político-governamentais, ou de entidades ligadas a lobbies da saúde, da agroindústria e da química alimentar e farmacêutica. Como bem demonstrado nos excelentes documentários “Rotten” e em muitas denúncias, esta política alimentar se sustenta com incentivos para as grandes empresas (lembremos o recente caso JBS e suas ramificações políticas e criminosas) com privilégios fiscais, estímulos à exportação, verbas para financiamento com juros subsidiados, marketing em grandes redes de comunicação, e em contrapartida, fiscalização e oneração através de exigências draconianas aos possíveis concorrentes, especialmente os pequenos produtores rurais e as agroindústrias familiares.
A saúde e o setor rural são prioritários para a população e devem ser resguardados da interferência governamental e estimulados através da simples desoneração fiscal e término do cipoal de leis esdrúxulas abrindo espaço à auto-organização e auto-regulamentação de produtores e consumidores em prol do benefício de ambos.
Ousamos propor como justa e necessária um política liberal (no sentido de liberdade) dos produtores rurais e consumidores. Afinal, o gênero Homo surgiu há cerca de 2 milhões de anos e os governos centralizados há menos de 3.000 anos, portanto a cerca de 0,15% do tempo da humanidade. Ou seja, em 99,85% do tempo vivemos sem governo, e em nosso país é evidente que as políticas de Estado tem mais atrapalhado do que ajudado o setor rural e a saúde da população.
Nossa história recente me faz cético em relação à capacidade dos governos de estimularem boas práticas na saúde e no setor rural. Mantenho, entretanto, total confiança na ciência, na capacidade técnica de profissionais de agricultura, pecuária e mesmo da saúde, e especialmente na resistência dos produtores rurais, que junto com os consumidores conscientes farão uma política agrícola e alimentar mais saudável, contribuindo também para a preservação ambiental.
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2 Comentários
Olá. Me questiono se tratar o trigo e os cereais como vilões, não seria repetir o mesmo que já se fez com o ovo e outros alimentos. Não será novamente uma jogada de interesses de alguma outra indústria? O trigo está no cardápio do homem há muito tempo. Por que agora ele é tão ruim? Questiono por que busco fazer boas escolhas no cardápio de minha família, mas me parece que sempre caio em alguma restrição que afetará drasticamente a rotina alimentar. Culpar um tipo de alimento deveria ser secundário a culpar o estilo de vida. Sedentarismo, imediatismo, angustias e ansiedade, estão diretamente relacionados ao estilo de vida e afetam nossa saúde tão diretamente quanto a alimentação. Aliás, essa correria que acaba nos levando a fazer más escolhas na hora da comida.
Gostei muito do blog. Sigo aprendendo.
Oi Deborah. Muito oportuna tuas colocações. Achamos que dúvidas como as tuas podem ser semelhantes a de muitas outras pessoas.
Bem, a base de nossa proposta é a aplicação de conhecimentos da evolução biológica, antropologia e ciências clínicas e básicas, sem preconceitos. Também não nos vinculamos a qualquer indústria.
A ideia de ter vilões é muito chata e detestamos recomendar regras de alimentação.
Bem vamos aos fatos. Há uma epidemia de doença crônica! Doenças crônicas vem aumentando nos últimos 25 anos, muito acima do esperado e previsível. Há um aumento de longevidade com muito mais tempo de incapacidade e menos funcionalidade, isto é, perda de qualidade de vida nos anos finais. Isto se deve indiscutivelmente a fatores relacionados a modo de vida, como bem colocaste. Porém, e este porém é muito importante, estimativas recentes relatam que dos fatores de modo de vida o que tem maior impacto sobre a saúde e longevidade é a alimentação. As escolhas alimentares chegam a ter um impacto estimado de 70 a 90%! Os trabalhos mais recentes tendem aos 90%! É muita coisa. Obviamente os outros fatores são importantes e devem ser considerados conjuntamente, entretanto, temos de ajustar nossa conduta aos fatos.
Quanto ao trigo, com base na evolução é um alimento relativamente recente usado em menos de 2% do tempo da evolução (justamente de cerca de 15 mil anos para cá em um total de 6,5 milhões de anos do gênero Homo). Além disto, foi modificado geneticamente desde a década de 50 do século passado, bem como vem sendo utilizadas técnicas e aditivos que aumentam o seu risco. Há alguns anos doença celíaca era menos de 0,5% da população, agora passa de 3%. Cresceu exponencialmente o número de pessoas com doenças autoimunes, ou com intolerância ao glúten (sem serem celíacos), nós e outros autores observamos uma proporção que cerca de 1/3 das pessoas a apresentam.
A proposta é fornecer ao organismo por certo período (no mínimo 3 semanas) uma alimentação totalmente ajustada ao que se ingeriu na maior parte da evolução, porque permite uma expressão ótima de nossos genes. Quando isto ocorre nos sentimos muito melhor, e há reflexo em nossa energia diária. Depois sugerimos reintroduzir grupos ou alimentos aos poucos, percebendo a sensibilidade individual. O objetivo é a saúde!